Mês de Abril:

-Dia 1: Furamos o verde. Árvores, animais, casas, homem de trabalho, pedras, nuvens de uma determinada forma andam para trás para que eu as veja a todas, sentada no meu banco com o jornal no colo - andam sobre carris.
-Dia 2: Furamos o verde. Árvores, animais, casas, homens de trabalho, pedras, nuvens de determinada forma.. adormecem-me.
-Dia 3: Furamos o verde. Árvores, animais, casas, homens de trabalho, pedras, nuvens de determinada forma fazem barulho, explodem, gritam, retinem, soam, estrondam, calcam com muita força, saltam, têm dentro partículas que saltam.. Cada árvore prende um pássaro, cada animal rompe um casco, cada casa suja o céu de fumo preto e mais preto, cada homem deita sangue de cada arranhão feito no mato.. Cada pedra dura é furada pela água mole, cada nuvem se esvai em água, tenho os olhos abertos e o coração a fugir-me pela boca.
-Dia 4: Furamos o verde. Árvores, animais, casas, homens de trabalho, pedras, nuvens de determinada forma: encaixam todas tão bem que podia passar por mim de costas todos os dias e pela mesma ordem - encosto eu a cabeça ao vidro.
-Dia 5: Furamos o verde. Árvores, animais, casas, homens de trabalho, pedras, nuvens de determinada forma não existem. Dentro de portas os tagarelas.
-Dia 6: Furamos o verde.
-Dia 7: Furamos o verde.
-Dia 8: Furamos o verde.
-Dia 9: Furamos
-Dias 10-28: o
-Dia 29: verde.
-Dia 30: Furamos o verde

Mês de Maio:

Homem Invisível

Quis ser feito de vazio -

é que dizem que, por mais cheio que seja o cheio, nunca chega aos calcanhares do tão vazio que é o vazio.

Doce

Pegou num pote de mel, esvaziou-o, rapou-o, escarafunchou-o até ao sangramento das unhas.

Depois usou-o como um capacete de astronauta e, com a barriga cheia e os dentes podres, asfixiado pelo próprio ar, entrou em órbita.