domingo, 27 de julho de 2008

Uma das coisas que mais gosto é de caminhar sem ter de me deslocar do sítio onde construí a minha cama.
Ultimamente, a todo o lado onde vou, vou pousada na mesma mão - forte o suficiente para suportar o meu peso, e ainda assim macia, para que eu possa encostar a cabeça entre o polegar e o indicador, e adormecer dentro dela.
Calco as pedras todas do caminho sem ter que me levantar, e quando tento escorregar por entre os dedos, tudo consigo é escorregar pela linha que me leva ao centro do remoinho das impressões digitais.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Hoje, quando sonhei que ao tentar deitar-me no chão ficava a pairar no ar, dormi algumas horas mais e pairei alguns palmos acima.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Se as mudanças de temperatura não fossem tão perigosas como li uma vez, eu tinha deixado que empurrassem o cubo de gelo onde moro para debaixo do sol, até todos os meus músculos serem outra vez músculos, os meus dedos abrirem e fecharem e a minha cara se contrair com a novidade da luz.
Se as mudanças de temperatura não fossem tão perigosas como li uma vez, deixava-te entrar no meu cubo de gelo porque lá dentro vê-se transparente.
Mas se disseres que não são, eu guardo o livro na gaveta junto do que é velho e não a abro.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Sim, eu menti. Os graves já só distingo fechando os olhos.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Parece-me que hoje vou adormecer na berma da cama.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Um dia pensaste que o Mundo te queria expulsar para fora de órbita. Sentiste o solo tremer, uma sombra negra a projectar-se sobre ti... Chegaste a acreditar nas profecias dos Homens: a da revolta tardia do milénio, a da invasão extraterrestre, a dos signos, a das conchas, a do fumo, a das voltas do troço da maçã, a do pé direito e a do esquerdo, a dos trevos. Chegaste a acreditar que se te sentasses, o caos passaria por ti e em ti adormeceria - assim deixarias de ser tu, mas pelo menos serias inteiro. E quando a sombra se aproximou da tua testa, para tua surpresa, não sentiste nenhuma mutação no teu corpo, nem sequer a dor física... Era só um toque leve, que te queria mudar de sítio.
Diminuo o alcance da objectiva: Era um druída gigante que coçava a barba e pensava.

domingo, 13 de julho de 2008

Há uma sombra no quarto que me engana e me faz ficar debaixo dos lençóis dias e dias.
Pensava que mordia, mas não morde..
Quando finalmente ganho coragem e lhe aponto a luz, é só uma bola de cotão.
Pensava que não mordia, mas morde...
Só que no dia seguinte lá está a sombra que me engana e me faz ficar debaixo dos lençóis.
Pensava que mordia, mas não morde.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Plantei três torres no quintal da minha casa.

A primeira era pequena demais, ficava três centímetros abaixo da linha do horizonte.
A segunda pareceu insuficiente para quem espera ver a curva da Terra, e ainda os cometas.
A terceira creceu depressa mas a raíz foi frágil demais e não suportou o peso do tronco - caiu no meu telhado, arrebatou as paredes da casa.
Foi nesse dia que decidi: em vez de conhecer o mundo a partir das copas das árvores, ia pisar cada bocadinho de solo com o próprio pé, esgravatá-lo com as mãos e mastigá-lo.
Ia ser solo, ia ser a curva do solo entre os continentes, a latitude e a longitude, iam-me nascer árvores do pensamento, o meu sangue ia ser seiva.
Quando me cansasse de ser solo ia ser ar, quando me cansasse de ser ar ia ser água, e quando me cansasse de ser elemento ia ser o vazio.
Depois de ser tudo, encolhia-me até todos os átomos do meu corpo adormecerem e construiria de novo a minha casa.

domingo, 6 de julho de 2008

Não me vai saber nada bem o sol nos olhos.
Hoje soube, ontem também... Sim, ultimamente o sol nos olhos tem sido quente, e quando os abro vejo sempre claro, e quando os fecho acho bonitas as luzes sobrepostas no preto.
Costumava empurrar os punhos contra os olhos porque imaginava que eram estrelas que andavam ao contrário, cada vez mais depressa. O padrão era sempre o mesmo, como num jogo, que nunca terminei... porque a dor nos olhos nunca deixou.
Mas ultimamente, agora que penso nisso, não tenho precisado de esfregar os punhos nos olhos para as estrelas ganharem velocidade.
Amanhã, agradeço que me acordes às escuras.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Era prudente ter-se lembrado que a sua esposa morreria de susto ao ver o seu caixão, comprado dez anos antes, debaixo da cama! Teria então trabalhado fins-de-semana e horas extra, e teria dinheiro para comprar dois... Sim, dois! Se é para ficarem juntos como nos filmes, antes que estejam os dois do mesmo lado!

terça-feira, 1 de julho de 2008

Olha se tivesses que estudar os 6,5 biliões de códigos de estrada que existem, a ainda aqueles que não constam porque foram esquecidos na aproximação ao bilião!